AUTOATENDIMENTO

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Grileiros vendem terra da União na internet


MARTA SALOMON
enviada especial da Folha de S.Paulo ao Amazonas

Fazendas gigantes na Amazônia, de quase sete vezes o tamanho da cidade de São Paulo, são oferecidas na internet, mas os anúncios ocultam terras públicas ocupadas ilegalmente.

É o caso de fazendas anunciadas no site MF Rural em Lábrea, cidade no sul do Amazonas que integra a lista das campeãs em desmatamento e é recordista em terras griladas.

De acordo com a coordenação do Terra Legal, programa de regularização fundiária do governo, os imóveis oferecidos na internet não constam do cadastro oficial de propriedades privadas. No mais recente recadastramento de terras no município, apenas 74 proprietários rurais se apresentaram com os documentos. Mais de 200 imóveis tiveram o cadastro suspenso no ano passado.

O site será questionado judicialmente, adiantou o coordenador do programa, Carlos Guedes. E a região do sul de Lábrea, que faz fronteira com o Acre e Rondônia e enfrenta forte pressão de desmatamento, passará por uma espécie de "varredura". O objetivo é localizar e recuperar terras públicas ocupadas ilegalmente.

"Existe essa indefinição sobre quem é realmente o dono da terra, se é da União ou de particular, e muita gente se aproveita", diz o prefeito de Lábrea, Gean Barros (PMDB). Ele classifica o sul do município como região fora de controle.

A Folha percorreu o sul de Lábrea a partir do Acre e de Rondônia. Pastagens já dominam a região. "Todo mundo quer ter terra", afirma o paulista Francisco Gomes Filho. Ele ocupa cerca de 20 mil hectares da União, quase 15 vezes o limite máximo previsto pelo Terra Legal para venda de terras públicas sem licitação: "Se legalizar 15 mil hectares já é bom".

Ao lado dele, no distrito de Nova Califórnia, epicentro da maior confusão agrária da Amazônia, o paranaense Jairo Santana, que cuida de planos de manejo para a extração de madeira, prevê que os grandes posseiros de terras públicas busquem brechas para regularizar as ocupações irregulares.

"Vão arrumar laranjas. Na Amazônia, não dá pra sobreviver catando coquinho ou fazendo colarzinho. Tudo que é colorido parece bonito pela televisão, mas a vida é feroz."

A União apura denúncias de loteamento de largas extensões de terras públicas para burlar as regras da regularização fundiária: cada lote teria o tamanho limite admitido pela lei.

O cartório de Lábrea é personagem importante na indústria da grilagem de terras. Registros de 5,5 milhões de hectares de terras dos livros do cartório foram anulados pela Justiça do Amazonas no início da década. A dimensão da fraude equivale a mais de 80% do tamanho do município. Houve reclamação, e a disputa na Justiça se arrasta em alguns casos até hoje.

Entre os títulos anulados estão os de Mustaf Said, ex-prefeito de Lábrea e um dos maiores grileiros da Amazônia, ao lado do recordista Falb Farias. Com base em títulos concedidos no século 19, as terras de Said se multiplicaram mais de 300 vezes, e o registro de suas propriedades cresceu para 485 mil hectares (mais de três vezes a área da cidade de São Paulo). "Eu já desisti da ação."

O registro de imóveis está suspenso desde outubro de 2007, quando nova escrivã assumiu o cartório no lugar de Antônio Mendes da Silva, condenado à prisão pelas fraudes.
Interessados em comprar as terras na Amazônia há, informa o responsável pelo site MF Rural, Wilson Lucas. Segundo ele, o que falta são terras devidamente documentadas.

Lucas diz que anuncia, mas não tem responsabilidade na negociação das terras públicas.


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