
A modernidade construiu um mundo com tamanha ampliação da propriedade privada que provocou a redução na possibilidade do uso do espaço público. As ruas não podem mais ser usadas, por causa do risco de assaltos nas calçadas e de engarrafamentos nas vias. O uso dos passeios públicos desapareceu, o costume de caminhar do teatro ao restaurante caiu em desuso.
É preciso deixar claro que o direito à propriedade é um avanço da sociedade humana.
A terra precisa ser apropriada para poder ser usada, e não ao contrário, como ocorre hoje: o uso do direito impedindo o direito ao uso. Ao longo dos séculos, os latifúndios improdutivos foram - e continuam sendo - exemplo do uso do direito para impedir o direito ao uso da terra por parte dos trabalhadores e de toda a sociedade, que precisa dela para aumentar a produção agrícola.
O Nordeste tem sido um exemplo de como a água escassa pode terminar apropriada por poucos, o que pode impedir seu uso por todos. A crise ambiental pode fazer com que essa realidade de escassez se espalhe por todo o mundo. A depredação do meio ambiente é um exemplo da importância que damos ao direito à propriedade, com a redução do direito ao uso dos recursos naturais do planeta.
Um exemplo da privatização do direito ao uso está no alto custo das campanhas políticas, e no seu financiamento por grupos econômicos. A participação social fica restrita; o povo fica excluído; as decisões são tomadas por poucos; as informações são divulgadas por uma mídia que está, em grande parte, apropriada por grupos econômicos e até pelos governos. Os partidos se apropriam da atividade política, e a mídia escolhe os candidatos que serão prestigiados.
A realidade está mostrando que, quanto mais o direito à propriedade avança, mais recua o direito ao uso. Por isso, respeitando-se o princípio básico do direito à propriedade, a sociedade precisa se dar conta de que tão importante quanto o uso do direito é o direito ao uso. E de que este é condição fundamental para garantir a eficiência, o exercício da democracia, a justiça social e o equilíbrio ecológico.
Fonte: Artigo publicado pelo Jornal do Commercio de sexta-feira, 5 de março.